Thursday 8 December 2011

Branca de Neve é o Cara***!


Eu sabia que esse assunto ia me deixar revoltada quando eu fosse escrever. Mas eu me sinto na obrigação de falar sobre isso. Eu vou falar sobre um assunto, que por mais que todo mundo ache feio e condenável, todo mundo pratica em algum grau e nem percebe. Eu vou falar sobre algo que tem gente que acha que não existe, que é coisa do passado... é, eu vou falar de RACISMO (meio que dando uma continuidade ao post anterior).

E o principal motivo é que só nessa semana, li 2 notícias que abalaram meu coração.

A primeira foi de uma igreja nos Estados Unidos que impedia casais interraciais de participarem de algumas atividades em grupo (praticamente só podiam participar de funeral) Veja a notícia aqui: http://www.huffingtonpost.com/2011/11/30/interracial-couple-banned-from-kentucky-church_n_1121582.html

A segunda, não menos surpreendente, foi a de uma estagiária negra que teve que ouvir da diretora da escola que ela tinha que alisar o cabelo pra manter uma boa aparência, condizente com a instituição que ela trabalha. Veja a matéria aqui: http://www.geledes.org.br/racismo-preconceito/racismo-no-brasil/12140-racismo-no-colegio-anhembi-morumbi-estagiaria-forcada-a-alisar-o-cabelo-para-manter-a-boa-aparencia

Duas notícias em menos de 5 dias. 

Como alguém tem coragem de dizer que racismo não existe? Essa pessoa deve viver num mundo encantado onde todas as pessoas são cor-de-rosa e se amam. 

Eu vou entrar num mérito muito maior. O racismo existe e é uma doença social. Não é apenas de um grupo (branco) contra outro (negros). É do negro contra o negro. É do mais branco contra o menos branco (ou o menos negro contra o mais negro).

Aí no Brasil, eu sou considerada branca, mas aqui eu sou marrom (Brown). Eu me orgulho da minha cor aqui, acho muito bom ser chamada de Brown, mas tem um pequeno detalhe: eu não cresci como morena. Eu nunca sofri discriminação no Brasil por causa da minha cor. Minha beleza era aceitável dentro do padrão. Sentir orgulho da sua cor, quando você não precisa passar por nada disso é muito fácil. 

Agora, para um negro (ou negra) a coisa é bem diferente. Porque o padrão pele-clara-cabelo-loiro-dos-olhos-azuis é exatamente o oposto do que o negro enxerga no espelho. 

Para ilustrar isso, tem um vídeo que eu considero extremamente educativo, por favor assistam (tem alguns outros – diferentes testes com o mesmo propósito e resultado – veja aqui: http://www.youtube.com/watch?v=0eHIkgh1K_0 ou aqui: http://www.youtube.com/watch?v=JcAuO0PNnrs&feature=related):



Isso pra mim exemplifica todo o meu ponto: você, criança negra, se identifica com um personagem feio, mal e que ninguém gosta. E o legal, bonito e agradável é justamente o oposto de você! Gente, isso é muito triste... 

Tem gente que é contra as cotas porque afirmam que os negros tem as mesmas potencialidades dos brancos. É claro que eles tem, ué! Essa não é e nem nunca foi a questão! A questão, no caso das cotas, são as oportunidades. A maneira que o branco e que o negro é tratado na sociedade e na sua própria consciência é muito diferente! Eu vou chamar isso de “efeito do racismo”.

Por causa desse efeito, tem gente que nem tenta fazer o vestibular da UnB porque “sabe que não vai passar”. Como alguém sabe disso sem tentar? Auto-estima. Saber o seu lugar na sociedade. Saber que você, como negro, pode exercer qualquer profissão, sem ninguém achar estranho. Ganhar espaço, respeito... não ser estranho pra ninguém ser atendido por um médico negro, um juíz negro, um dentista negro...

Eu já fui veementemente contra as cotas, mas quando percebi que a democracia racial não passa de uma mentira a favor da população branca, e o tanto que as oportunidades são diferentes intrinsecamente dependendo única e exclusivamente da tonalidade da sua pele, mudei de opinião. Mas não vou entrar no assunto dos problemas de implantação dessa política. Só me atenho a dizer que sou favorável a idéia.

Ainda não acredita que isso acontece na sociedade? Um exemplo simples: retorne a sua primeira série. Quem foi a noiva da festa junina? E o noivo? Quem era a mocinha das peças infantis? Quem era a princesa? 
Você era? Possivelmente, se você for loira(o) dos olhos azuis sua resposta será SIM. 

Eu juro que não sei como é hoje em dia (já fazem 20 anos, meu deus!), mas na minha época era claro esse padrão. Todas as meninas da sala eram apaixonadas pelo loirinho e todos os meninos pela loirinha. É, ou não é? Racismo implícito. A gente cresce com isso, a gente engole isso na mídia, a gente brinca com a Barbie (até a Barbie negra que eles fizeram agora só tem a pele marrom, porque não tem nenhum traço negro...), a gente assiste cinderela e a branca de neve...

Então, como fazer pra evitar isso? Eu acho que algumas atitudes simples podem diminuir o efeito do racismo. Primeiro, se você é educador ou trabalha de alguma maneira com crianças, POR FAVOR não caia nessa falácia de colocar a “mais bonitinha”- aos olhos de quem? – pra ser personagem principal. Eu não sei nada de psicologia, pedagogia, nada de nada, mas deve ter algum método pra isso, nem que seja o bom e velho sorteio.

Se você curte interagir com crianças e é daquelas pessoas que as crianças ficam olhando com o olhão arregalado no meio do shopping, dê um sorriso, elogie, diga como ele/ela é lindo/linda, como ele/ela é um príncipe/uma princesa. Independente de ser negro, loiro, azul, amarelo, lilás. Independente de ser gordo, magro, feio ou estranho. Eu acho que esse fato isolado pode mudar um pouco o jeito que essa pequena pessoa pode se enxergar como indivíduo. A gente vê o sorriso no rosto de crianças que talvez nunca foram elogiadas na rua. 

E não é pra ser hipócrita e elogiar só porque é o seu papel (e continuar com o racismo dentro de vc). Aprenda a admirar a beleza negra, o cabelo armado ou os penteados afros – eu acho lindo demais!, as diferentes tonalidades da cor da pele, o brilho, o sorriso... São traços belíssimos, são corpos lindíssimos (masculinos e femininos), que os brancos só tem a ganhar com essa miscigenação. 

E quem sabe um dia a gente não vai ter que ler comentários como esse, quando perguntam porque na revista Capricho não tem nenhum colírio negro (colírio pelo que eu entendi é um menino destaque):

“Bom sem preconceito sei que todos vao ignorar
mas todo mundo sabe que na caprixo so entra meninos lindos
e pessoas negras geralmente sao feias por mais que se arrume
cuide do visual do cabelo roupas legais nao tem jeito =/”


E nem como esse, sobre a participação de negras no concurso de miss universo:

Essa é a "menos feia" de um país inteiro, como alguém consegue achar uma preta bonita?


Então, pra finalizar, um pouquinho da beleza negra do Brasil em algumas imagens:


É ou não é uma princesinha?

Ai, meu deus, olha essa bochecha! Vontade de morder!


Monday 28 November 2011

Pajé pode, médico não!

Com todo esse debate de Belo Monte daqui, Movimento gota d`água dalí e a questão se os índios vão ou não ser realocados, eu estava inspirada a escrever algo sobre Belo Monte. Daí fui ver uns vídeos no youtube sobre a usina (que, diga-se de passagem, me deixaram muito mais tristes do que eu já estava... vendo o tanto de pessoas que estão favoráveis a esse desastre dessa porcaria de usina). Mas li um comentário que me fez mudar o tema do post de hoje.

Segue o comentário desse infeliz:
“O mesmo hospital que meu filho foi levado atende índios, o que soa muito mal. Índios não possuem curandeiros? O que eles fazem, afinal de contas? Por que simplesmente não cercam um vasto local com mata preservada e dão aos índios para que os próprios se virem? Eles possuem curandeiras, caciques e tudo que lhes é necessário para serem chamados de índios, por que precisam de casas, bens materiais criados pelos "homens brancos", auxilio com saúde, entre outros?”

Gente, todo esse comentário se resume CLARAMENTE em uma palavra e apenas uma: preconceito. É triste ter que ler isso, de verdade. É triste pensar que tem gente que pensa assim e que sente isso no coração. Não é só com índio, mas com qualquer ser humano ou animal senciente pra mim.  

Eu estava discutindo outro dia sobre os aborígenes aqui da Austrália, que foi um dos maiores absurdos do século 18, onde eles foram praticamente dizimados e tiveram sua cultura destruída. E foi cruel, acredite. Os ingleses queriam educar as crianças e os separaram dos pais, levando pra morar nas fazendas – isso aconteceu até 1969! Ficaram conhecidos como a Geração Roubada (Stolen Generation). Na Tasmania não sobrou nenhum... A Guerra Negra (Black War) foi um genocídio total, aprovado e carimbado pelo governo. 15,000 aborígenes mortos, só lá!

Stolen Generation

Eu ouvi que a população de aborígenes hoje é menor que 3% da população aqui da Austrália. Corri pra conferir e é cerca de 2,5%. Achei um número baixíssimo, minoria esmagada contra a maioria esmagadora de brancos. Fui ver a população indígena do Brasil:

0,3%.

“Mas o Brasil é gigante e populoso... a Australia é gigante mas tem 22 milhões de habitantes!”  É verdade, São Paulo tem mais gente que a Austrália inteira. Mas então vamos ao número exato. Na Austrália, são cerca de 570,000 aborígenes e no Brasil, estima-se 421,000 indígenas. Eu fiquei chocada com o quão pouquinho isso é. Eu falava tanto, de quão terrível foi a colonização aqui pros nativos, mas o Brasil não fica pra trás em nada. E a colonização nunca parou, esse é o problema. Ninguém liga realmente se os índios vão ser afetados. Todo mundo pensa “Ah, mas eles bebem, eles vendem acesso a diamante, eles destroem o meio-ambiente do mesmo jeito (pasme, já ouvi esse comentário de pessoas também ecólogas como eu).”

Gente, o que destrói os recursos e o meio ambiente é o capitalismo. É simples assim. Veja os argumentos de quem é a favor da construção de Belo Monte! Só fala de dinheiro gerado, de energia e de orgulho por ter a terceira maior hidrelétrica do mundo.

Eu me orgulho sim, mas por ter nascido no país com a maior diversidade do mundo, me orgulho cada vez que eu falo da Amazônia e do Cerrado aqui na Austrália e percebo o tanto que isso é valorizado por eles, dos nossos bichos, das nossas árvores, dos nossos rios.

Mãe e filho tupis
Me orgulho dos nossos índios, os que ainda vivem tradicionalmente, que tem um estilo de vida simples, sem propriedade privada, sem visão de lucro, com respeito às crianças, com as tradições e danças ricamente culturais, com a rede, a mandioca, com o conhecimento da floresta... e não digo isso com uma visão minimalista do “mito do bom selvagem”. Eu sei de todos os "problemas", do infanticídio à extinção de espécies, mas não... não chega nem aos pés da doença da nossa sociedade capitalista européia. E essa cultura indígena deve ser valorizada. Valorizada e respeitada. 


E me orgulho do indígena que se inseriu na sociedade, que faz um curso superior (sabia que a Universidade do Acre tem um programa pra formar professores indígenas?), que mistura seu sangue com o negro, com o branco, com o amarelo e faz do Brasil esse país tão diverso culturalmente e sem-padrão de beleza, raça, cor e religião. Que, apesar dos pesares (e do preconceito), vive em casa de alvenaria, tem carro, eletricidade, faz compras no supermercado e leva suas crianças ao hospital. Porque não? Não pode?
  
Alunos indígenas em Dourados-MS


E (voltando ao comentário que tive o desprazer de ler), como assim eles que fiquem na floresta com os curandeiros deles? O “homem branco” chega, impõe uma cultura, um deus, um modo de vida, e agora vem com essa de “eles que fiquem no mato”? É o ó do borogodó mesmo! Eles que usem os recursos que eles quiserem e bem entender. Quer dizer que o filho do branco tem direito a hospital e o indígena não, mas porque mesmo? Pq o branco que "inventou" o médico? Porque o branco que fez a aspirina – com o princípio ativo tirado da casca de uma árvore, diga-se de passagem-? Porque o branco é melhor e ponto final? É essa a lógica? É isso mesmo?

Ô mundinho, viu?

Thursday 23 June 2011

A Ausência do Som


Outro dia, um domingo, eu acordei num susto, com aquela sensação estranha de não reconhecer o lugar que vc tá dormindo por 2 segundos até que a ficha cai e vc se sente meio idiota de ter se perdido por aquele pequeno período de tempo. Mas fiquei ali na cama, do lado do Fabricius, que dormia profundamente. Era um domingo, cerca de 9 horas da manhã. E eu não ouvia nenhum barulho da panela de pressão do vizinho fazendo feijão. Não tinha aquela sinfonia que eu estava tão acostumada a ouvir, de várias panelas de pressão frenéticas em cada um dos apartamentos do prédio, principalmente no domingo! Aqui ninguém come feijão. Só os mexicanos, na verdade, mas é feijão enlatado, não vale... Feijão gostoso tem aquele temperinho, com alho e cebola refogado em (muito) óleo.

E aí me deu um aperto no coração, daquela falta que um som faz no dia a dia... e comecei a pensar em todos os sons que eu não ouvia nesses 7 meses que eu estou aqui. E, surpreendentemente, não foram poucos.

Pra começar, aqui não tem campanhinha.  Simplesmente não tem. Em nenhuma casa que a gente já foi, em nenhuma rua que a gente andou, nunca mais ouvimos aquele ding-dong tão familiar... Não que seja agradável acordar com a campanhinha do vizinho pensando que é a sua, ou quando o porteiro vai entregar as regras do condomínio e vc precisa assinar, o que incomoda é a ausência de um som que vc tá muito acostumado... Aliás, aqui tb não tem porteiro.

E não tem criança brincando na rua. Não tem aquele corre-corre, aquela gritaria, junto com cachorro latindo, mãe/babá gritando junto, bola batendo no chão, som de bicicleta, skate, patins... Som de vida. Aqui não tem isso no seu prédio. Vc acorda e tá tudo calmo. Calmo até demais. As crianças aqui devem brincar nas escolas, que dura o dia todo. No final de semana, elas devem brincar nos parques reservados pra recreação. Ou ficar em casa mesmo, eu não sei. Só sei que elas não brincam na rua. 
 
As famosas cacatuas australianas
Lindo (e absurdamente barulhento) rainbow lorikeet
Aqui tem até muitos pássaros, e eles são muito bonitos até! Tem aquelas cacatuas gigantes brancas de penachinho amarelo em tudo quanto é canto, tem o galah, que é um papagaio cinza com o peito cor de rosa muito bonito; tem o íbis que é um monstro gigante do bico enorme e fino que fica em toda e qualquer lixeira daqui; tem os rainbow lorikeets, que realmente impressionam pelo tanto de cores vivas; tem o kookaburra, que é bem simpático (acho que é o que eu mais gosto até agora...); e tem os corvos enormes em todos os lugares. Pássaro em geral é o q não falta. Mas falta muito um canto de pássaro que seja bonito. As cacatuas berram que parece que alguém tá morrendo. Os corvos gritam o tempo inteiro, os periquitos ficam brigando e gritando na janela do quarto. Os kookaburras são famosos pelo canto que parece uma gargalhada...  Não tem nada como aquele “bem te vi... te vi” ou o assobio do sabiá. Até os pardaizinhos de Brasília tem um canto bonito... Enfim, pássaro escandaloso aqui é o que não falta. E, por mais chichê que seja, definitivamente as aves que aqui “gorjeiam” não gorjeiam como no Brasil.

Ibis forrageando
Kookaburra - o pássaro mais feliz do mundo

Friday 27 May 2011

Eu apoio a Marcha das Piriguetes


Então, ontem era pro Fabricius ter chegado, mas ele perdeu o vôo... Como eu já tinha programado o que a gente ia fazer na noite (ia começar o Vivid Festival e eu queria muito ver as chamas dançantes... mas deixei pra ir hoje), fiquei desanimadassa de ter que reprogramar qualquer coisa e fiquei em casa mesmo. Quando eu fico em casa, eu faço tudo ao mesmo tempo: ligo a TV pra treinar meu inglês, trabalho no computador, faço tricô quando canso e como biscoito (só pra ter mais emoção!). E eu estava justamente nessa situação quando eu ouvi a chamada da reportagem pro Slutwalk. O que me chamou a atenção foi o repórter falando “Nós não podemos usar essa palavra normalmente por aqui, mas...” hahaha!

E aí eu parei tudo, inclusive de mastigar o biscoito e olhei pra TV. Eu imagino que o Brasil também deve ter passado essa notícia porque (pasmem!) o jornal do Brasil é muito mais completo que o daqui. O jornal aqui mostra o vizinho que derrubou a cerca do outro, o menino que é viciado em Pepsi, e outras coisas super importantes desse gênero...

Mas eles estavam falando do Slutwalk no Canadá. Pelo que eu entendi, parece que a polícia de Toronto fez uma campanha de como não ser vítima de estupro. E um dos pontos era “não se vestir como uma puta”. Justamente com essas palavras: “One of the safety tips was for women not to dress like ‘sluts’” (Veja aqui). 


Daí a mulherada (eu inclusive) achou um absurdo e foi fazer protesto vestida de piriguete pela rua (eu não sei se puta ou piriguete se adequa melhor a tradução de slut...)! Tudo isso é uma pequena amostra desse pensamento idiota de que a mulher que provocou a violência sexual, talvez vindo da bíblia e de outras religiões que a culpa de todas as coisas ruins do mundo é da mulher. No Bhagavad Gita fala claramente que se o filho homem é ruim é por causa da mãe. Eu tinha começado a ler esse livro com uns 16 anos. Parei depois que li essa frase. O mais bizarro de tudo nessa campanha é o público-alvo. Ao invés de educar os homens para não estuprar, eles querem educar as mulheres para não serem estupradas!! Faz sentido? Num mundo totalmente machista, em que os homens são maioria como líderes, deve fazer...

Anyway... aqui na Austrália, uma das primeiras coisas que todo mundo nota é como as mulheres se vestem “como putas”. De verdade... não tem nenhum estrangeiro que não perceba ou comente isso depois. Muito pior que qualquer dita “piriguete” no Brasil. Aqui chega a ser desconfortante. Mesmo assim, a reportagem de uns 3 blocos depois era do caso em que um rapaz de 24 anos foi condenado por molestar e tentar estuprar uma senhora de 99 anos de idade (Reportagem aqui).

Alguém precisa dizer mais alguma coisa depois disso?

Wednesday 25 May 2011

O Brasil tem Janet Cardiff


Janet Cardiff é uma artista canadense, que faz uma coisa muito diferente (no meu ponto de vista, que não é nada lá muito entendido de artes, diga-se de passagem). Ela cria obras acústicas. O efeito é realmente impressionante mesmo. Em uma obra famosa dela (“The Forty Part Motet”), ela gravou vozes de um coral separadamente e colocou em 40 caixas de som, fazendo um círculo em uma sala. O resultado é incrível: a gente ouve o coral como um todo, sentindo aquela emoção do coral e, ao caminhar por entre as caixas, a gente nota o quanto o “só” é estranho sozinho, mas faz o “junto” ser o que é.
"The Forty Part Motet" de Janet Cardiff


O efeito e as interpretações são pessoais, lógico! Mas eu senti uma sensação única quando vi/ouvi.
E agora chega a parte legal! Eu vi no Brasil mesmo, e está lá pra quem quiser ver/ouvir! Fica em Inhotim, lá em Brumadinho, perto de Belo Horizonte!

"The murder of the Crowns" de Janet Cardiff
E não é só essa obra dela que a gente pode visitar lá em Inhotim não! Tem a “The murders of Crowns” também, que confere uma sensação estranha, muito mais sombria. A idéia dessa obra é sentar e fechar os olhos. Tem uma história gravada que se repete ao longo do tempo, e os efeitos sonoros que dão a sensação de estar dentro da história mesmo. É interessante também.
Mas quem diria que nessa cidadezinha ia ter o maior museu contemporâneo a céu aberto da América Latina! E não vale a pena visitar só pelas obras, porque além de tudo, o lugar é um jardim botânico junto, caprichadíssimo no paisagismo! Mas como é possível? Explico: o dono do lugar é um empresário podre de rico que quis trazer artistas do mundo todo pra reproduzir as obras aí no Brasil. Ele se diz apaixonado pela arte e tal... no fim, não é nada mais que um “luxo” dele. Mas o negócio deu certo: Brumadinho se tornou referência internacional de cultura, deu estágio pra vários alunos do curso de Artes Plásticas, e agora os brasileiros têm uma excelente oportunidade para conhecer obras e artistas internacionalmente reconhecidos, sem precisar viajar pro exterior. Além de dar muitas oportunidades para artistas brasileiros exporem também.

Inhotim visto de cima

Resumindo: o lugar é lindo, tem MUITA coisa pra se ver, tem obras espetaculares e jardins belíssimos. E você nem precisa gastar muito pra visitar. Muito melhor que ter que juntar dinheiro pra ir pra Europa! Haha!

Links:


Tuesday 24 May 2011

Crônicas x Papers


Quando eu gosto de um livro, eu simplesmente odeio quando ele acaba. Me dá uma sensação de vazio, que eu não consigo explicar... Sempre faço bico quando acabo de ler a última letrinha da última palavrinha do último capítulo da última página. Acho que deve ser por causa desse tanto de “últimos” em questão.

Eu sei que terminar um livro faz parte do começo... o caminho do livro é o fim (parafraseando Raul Seixas)! Mas que dá uma dorzinha no coração, isso dá. Talvez por isso tantos livros publicados em sagas gigantes, que você sabe que não vai acabar ali.

Enfim, voltando de Adelaide pra Sydney na segunda eu terminei um livro que eu tinha comprado no Brasil (mas comecei a ler aqui).

A idéia do livro é muito boa, a leitura flui que é uma beleza e ao mesmo tempo a gente aprende um monte!

O livro que eu to falando é “A longa marcha dos grilos canibais, e outras crônicas sobre a vida no planeta Terra” de Fernando Reinach (http://www.reinach.com/), que você pode comprar em qualquer livraria aí no Brasil provavelmente, inclusive na cultura (http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=22056318)

O autor é um pesquisador brasileiro com um número bem significativo de publicações na Nature (quem se interessar, o lattes dele é http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4788646D2 – apesar da última atualização ser de 2001). Ele foi professor do Departamento de Bioquímica da USP até 2006, e ainda publica até hoje, mas agora é diretor da Votorantim. Apesar disso, parece que ele sempre se interessou por divulgação popular da ciência, escrevendo uma coluna sobre o assunto no jornal “O Estado de São Paulo”, disponível na página pessoal dele (http://www.reinach.com/).

E o livro é basicamente assim: são contos bem pequenos (de 3 páginas no máximo) explicando de maneira mais popular  as descobertas científicas e as implicações delas nas nossa vidas. No final ele cita a referência do artigo completo pra quem quiser saber mais sobre isso.

 Eu achei a idéia maravilhosa. Depois que você termina de ler o livro você se sente totalmente atualizado nas mais diversas áreas de ciência. Porque, querendo ou não, nossa leitura científica acaba se resumindo a nossa restrita área de trabalho. Eu tenho uns 1000 artigos de hemiparasitas, contra uns 5 ou 10 de ciência em geral. É difícil ficar tentando se atualizar de todas as descobertas da ciência com um doutorado inteiro pela frente.

Eu gostei tanto da idéia, que pretendo de verdade levar adiante. Vou tentar fazer notinhas explicando rapidamente todo artigo que eu ler. Imagina se todos os cientistas, além de publicarem o paper, publicassem também uma explicaçãozinha rápida em linguagem mais informal sobre o seu trabalho? Não seria o mesmo que o resumo, mas uma crônica de verdade, com o contexto das hipóteses e os resultados práticos, de forma que o público leigo também tivesse acesso... Ia ser lindo!

Enfim, leia o livro. Eu achei muito legal e descobri coisas surpreendentes, como a composição do creme hidratante dos egípcios, a influência genética no orgasmo de gêmeas, e a relação entre o dano psicológico do pesquisador no sacrifício de cobaias versus o sofrimento das cobaias.

Fica a dica! ;)