Wednesday 7 March 2012

O paradigma panglossiano


Dr. Pangloss (Candide, Voltaire)
Eu queria escrever sobre ciência e acabei escrevendo um texto enorme de ecofisiologia vegetal. Mas me deu preguiça por vocês que irão (ou não) lê-lo. Então me veio essa idéia de falar de uma coisa interessante de verdade em ciência e, pra ser sincera, como fã do Stephen Jay Gould, achei esse um bom tema pra não assustar muito. 

Basicamente, o que ficou conhecido como “o paradigma de Pangloss” é uma crítica ao fato de que nem tudo tem uma causa adaptativa na natureza. Bem, vamos do começo.

Dr. Pangloss é um personagem de Voltaire e sua frase clássica é: “As coisas não são nada além do que são... tudo é feito para o melhor propósito”. Assim, ele argumenta por exemplo que nossos narizes foram feitos para suportar os óculos, por isso usamos óculos; e que nossas pernas foram claramente feitas para usar ceroulas, e por isso nós as usamos (quem usa ceroulas? haha!). Parece ridículo esse tipo de pensamento, mas nós estamos sempre em buscas de explicações funcionais para tudo que achamos. Principalmente os biólogos, ecólogos, etc.

Mimetismo ou viagem?
É muito tentador ao ver, por exemplo, que se as folhas de uma erva-de-passarinho são parecidas com a do seu hospedeiro, deduzir que se trata de um caso de mimetismo. Que as plantas parasitas tentam imitar as folhas de suas hospedeiras pra obter alguma vantagem seletiva sobre isso, seja por “enganar” os herbívoros ou por atrair os dispersores. Mas uma coisa pode não ter nada a ver com a outra. As folhas podem nem ser tão iguais assim. Insetos são atraídos muito mais quimicamente do que visualmente. Ou as folhas podem realmente ser parecidas, por convergência evolutiva, por alometria, por diversos fatores não-adaptativos, e não conferirem nenhuma vantagem para o indivíduo (o que nem é tão difícil de pensar, uma vez que parasitas generalistas aparentemente mimetizam um número super limitado de hospedeiros e crescem em mais uma pancada de outros).

Eu tenho que ficar levantando esses pontos toda hora porque aqui na Austrália todos acreditam no mimetismo das parasitas. É tentador, é muito legal... imagina que esperta essas plantas que enganam os predadores!! Mas pode não ser verdade. Inclusive, o último estudo que eu li descarta essa idéia de mimetismo aqui. 

No meu mestrado passei por algo parecido. Quando recebi as análises de nutriente foliar quase caí pra trás! As parasitas tinham uma quantidade absurda de potássio nas folhas. A primeira coisa que eu pensei foi que elas acumulavam potássio pra elevar a pressão osmótica nas células-guardas e conseguir manter os estômatos abertos, uma vez que teoricamente elas não precisariam se preocupar em economizar água (que elas pegam diretamente dos hospedeiros). Parece bem óbvio, né? Mas a história é bem diferente. As plantas parasitas não tem tantos drenos como as plantas “normais”, então elementos muito móveis no floema (como o potássio) se acumulam nas células, SIMPLESMENTE como uma CONSEQUÊNCIA do hábito parasita. 

As coisas nem sempre são para o melhor. Nossos lóbulos não existem para que possamos usar brincos, da mesma forma que várias coisas na natureza não tem um propósito ou uma função específica. E nem por isso, por nenhum segundo, a natureza deixa de me encantar.

Se você quiser ler o artigo clássico de Gould e Lewotin, tenho certeza que eles explicam muito melhor do que eu!

2 comments:

  1. Gostei haha concordo em parte, seria interessante conversar por algumas horas em um bar com muita cerveja =)
    mas sabemos muito pouco do porque das coisas e podemos adaptar o que queremos explicar para nossa realidade de conhecimentos, e podemos fazer quase tudo parecer com o que queremos..

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  2. Concordo com Saluna.rs.Partimos Sempre de Paradigmas que Por Sua Vez Partem de Postulados.Então só Podemos Interpretar Um determinado Fenômeno Pela Nossa Ótica. Uma onisciência implica em um conhecimento infinito sobre um determinado objeto de estudo. Logo, impossível dentro da matéria finita.

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