Monday 28 November 2011

Pajé pode, médico não!

Com todo esse debate de Belo Monte daqui, Movimento gota d`água dalí e a questão se os índios vão ou não ser realocados, eu estava inspirada a escrever algo sobre Belo Monte. Daí fui ver uns vídeos no youtube sobre a usina (que, diga-se de passagem, me deixaram muito mais tristes do que eu já estava... vendo o tanto de pessoas que estão favoráveis a esse desastre dessa porcaria de usina). Mas li um comentário que me fez mudar o tema do post de hoje.

Segue o comentário desse infeliz:
“O mesmo hospital que meu filho foi levado atende índios, o que soa muito mal. Índios não possuem curandeiros? O que eles fazem, afinal de contas? Por que simplesmente não cercam um vasto local com mata preservada e dão aos índios para que os próprios se virem? Eles possuem curandeiras, caciques e tudo que lhes é necessário para serem chamados de índios, por que precisam de casas, bens materiais criados pelos "homens brancos", auxilio com saúde, entre outros?”

Gente, todo esse comentário se resume CLARAMENTE em uma palavra e apenas uma: preconceito. É triste ter que ler isso, de verdade. É triste pensar que tem gente que pensa assim e que sente isso no coração. Não é só com índio, mas com qualquer ser humano ou animal senciente pra mim.  

Eu estava discutindo outro dia sobre os aborígenes aqui da Austrália, que foi um dos maiores absurdos do século 18, onde eles foram praticamente dizimados e tiveram sua cultura destruída. E foi cruel, acredite. Os ingleses queriam educar as crianças e os separaram dos pais, levando pra morar nas fazendas – isso aconteceu até 1969! Ficaram conhecidos como a Geração Roubada (Stolen Generation). Na Tasmania não sobrou nenhum... A Guerra Negra (Black War) foi um genocídio total, aprovado e carimbado pelo governo. 15,000 aborígenes mortos, só lá!

Stolen Generation

Eu ouvi que a população de aborígenes hoje é menor que 3% da população aqui da Austrália. Corri pra conferir e é cerca de 2,5%. Achei um número baixíssimo, minoria esmagada contra a maioria esmagadora de brancos. Fui ver a população indígena do Brasil:

0,3%.

“Mas o Brasil é gigante e populoso... a Australia é gigante mas tem 22 milhões de habitantes!”  É verdade, São Paulo tem mais gente que a Austrália inteira. Mas então vamos ao número exato. Na Austrália, são cerca de 570,000 aborígenes e no Brasil, estima-se 421,000 indígenas. Eu fiquei chocada com o quão pouquinho isso é. Eu falava tanto, de quão terrível foi a colonização aqui pros nativos, mas o Brasil não fica pra trás em nada. E a colonização nunca parou, esse é o problema. Ninguém liga realmente se os índios vão ser afetados. Todo mundo pensa “Ah, mas eles bebem, eles vendem acesso a diamante, eles destroem o meio-ambiente do mesmo jeito (pasme, já ouvi esse comentário de pessoas também ecólogas como eu).”

Gente, o que destrói os recursos e o meio ambiente é o capitalismo. É simples assim. Veja os argumentos de quem é a favor da construção de Belo Monte! Só fala de dinheiro gerado, de energia e de orgulho por ter a terceira maior hidrelétrica do mundo.

Eu me orgulho sim, mas por ter nascido no país com a maior diversidade do mundo, me orgulho cada vez que eu falo da Amazônia e do Cerrado aqui na Austrália e percebo o tanto que isso é valorizado por eles, dos nossos bichos, das nossas árvores, dos nossos rios.

Mãe e filho tupis
Me orgulho dos nossos índios, os que ainda vivem tradicionalmente, que tem um estilo de vida simples, sem propriedade privada, sem visão de lucro, com respeito às crianças, com as tradições e danças ricamente culturais, com a rede, a mandioca, com o conhecimento da floresta... e não digo isso com uma visão minimalista do “mito do bom selvagem”. Eu sei de todos os "problemas", do infanticídio à extinção de espécies, mas não... não chega nem aos pés da doença da nossa sociedade capitalista européia. E essa cultura indígena deve ser valorizada. Valorizada e respeitada. 


E me orgulho do indígena que se inseriu na sociedade, que faz um curso superior (sabia que a Universidade do Acre tem um programa pra formar professores indígenas?), que mistura seu sangue com o negro, com o branco, com o amarelo e faz do Brasil esse país tão diverso culturalmente e sem-padrão de beleza, raça, cor e religião. Que, apesar dos pesares (e do preconceito), vive em casa de alvenaria, tem carro, eletricidade, faz compras no supermercado e leva suas crianças ao hospital. Porque não? Não pode?
  
Alunos indígenas em Dourados-MS


E (voltando ao comentário que tive o desprazer de ler), como assim eles que fiquem na floresta com os curandeiros deles? O “homem branco” chega, impõe uma cultura, um deus, um modo de vida, e agora vem com essa de “eles que fiquem no mato”? É o ó do borogodó mesmo! Eles que usem os recursos que eles quiserem e bem entender. Quer dizer que o filho do branco tem direito a hospital e o indígena não, mas porque mesmo? Pq o branco que "inventou" o médico? Porque o branco que fez a aspirina – com o princípio ativo tirado da casca de uma árvore, diga-se de passagem-? Porque o branco é melhor e ponto final? É essa a lógica? É isso mesmo?

Ô mundinho, viu?